3 de set. de 2011

Coalizão Contra a Morte

Emil Cioran

 

Como imaginar a vida dos outros, quando a sua própria mal parece concebível? Encontramos alguém, vemo-lo mergulhado em um mundo impenetrável e injustificável, em uma porção de convicções e desejos que se superpõem à realidade como um edifício mórbido. Tendo forjado para si mesmo um sistema de erros, sofre por motivos cuja nulidade aterroriza o espírito e entrega-se a valores cujo ridículo salta aos olhos. Suas iniciativas poderiam parecer outra coisa senão bagatelas, e a simetria febril de suas preocupações melhor fundamentada do que uma arquitetura de ninharias? Ao observador exterior, o absoluto de cada vida revela-se intercambiável e todo destino, que entretanto é inamovível em sua essência, arbitrário. Se nossas convicções nos parecem fruto de uma frívola demência, como tolerar a paixão dos outros por si mesmos e por sua própria multiplicação na utopia de cada dia? Por que necessidade este se encerra em um mundo particular de predileções e aquele em outro?

Quando suportamos as confidências de um amigo ou de um desconhecido, a revelação de seus segredos nos enche de assombro. Devemos situar seus tormentos no drama ou na farsa? Isto depende inteiramente das benevolências ou das exasperações de nossa fadiga. Já que cada destino é apenas um estribilho que se agita em torno de algumas manchas de sangue, depende de nossos humores ver na sucessão de seus sofrimentos uma ordem supérflua e divertida ou um pretexto de piedade.

Como é difícil aprovar as razões que invocam as pessoas, cada vez que nos afastamos de qualquer uma delas a pergunta que vem ao espírito é invariavelmente a mesma: como é que não se mata? Pois nada é mais natural do que imaginar o suicídio dos outros. Quando se entreviu, por uma intuição devastadora e facilmente renovável, sua própria inutilidade, é incompreensível que outro qualquer não faça o mesmo. Suprimir-se parece um ato tão claro e tão simples! Por que é tão raro, por que todo mundo o elude? È que, se a razão desaprova o apetite de viver, o nada que faz prolongar os atos é entretanto uma força superior a todos os absolutos; ele explica a coalizão tácita dos mortais contra a morte; não só é o símbolo da existência, mas a existência mesma; é o todo. E nesse nada, esse tudo não pode dar um sentido à vida, mas ao menos a faz perseverar no que é: um estado de não suicídio.

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