Vi este perseguir tal meta e aquele tal outra; vi os homens fascinados por objetos díspares, sob o encanto de projetos e de sonhos ao mesmo tempo vis e indefiníveis. Analisando cada caso isoladamente para descobrir as razões de tanto fervor desperdiçado, compreendi o sem-sentido de todo gesto e de todo esforço.
Existe uma só vida que não esteja impregnada dos erros que fazem viver? Existe uma só vida clara, transparente, sem raízes humilhantes, sem motivos inventados, sem os mitos surgidos dos desejos? Onde está o ato puro de toda utilidade: sol que abomine a incandescência, anjo em um universo sem fé, ou verme ocioso em um mundo abandonado à imortalidade?
Quis defender-me contra todos os homens, reagir contra sua loucura, descobrir sua origem; escutei, vi e tive medo: medo de agir pelos mesmos motivos ou por qualquer outro motivo, de crer nos mesmos fantasmas ou em qualquer outro fantasma, de deixar-me afogar pelas mesmas embriaguezes ou por qualquer outra embriaguez; medo, enfim, de delirar em comum e de expirar em uma multidão de êxtases. Eu sabia que ao separar-me de uma pessoa despojara-me de um erro, que estava pobre da ilusão que lhe deixava…
Suas palavras febris a revelavam prisioneira de uma evidência absoluta para ela e irrisória para mim; ao contato de seu absurdo, despojava-me do meu… A quem aderir sem o sentimento de enganar-se e sem enrubescer? Só pode justificar-se aquele que pratica, com plena consciência, o disparate necessário para qualquer ato, e que não embeleza com nenhum sonho a ficção a que se entrega, do mesmo modo que só se pode admirar um herói que morre sem convicção, tanto mais disposto ao sacrifício quanto entreviu seu fundo.
Quanto aos amantes, seriam odiosos se no meio de suas caretas o pressentimento da morte não os roçasse. É perturbador pensar que levamos para o túmulo nosso segredo — nossa ilusão —, que não sobrevivemos ao erro misterioso que vivificava nosso alento, que excetuando as prostitutas e os céticos todos se perdem na mentira, por que não adivinham a equivalência, na nulidade, das volúpias e das verdades.
Quis suprimir em mim as razões que os homens invocam para existir e para agir. Quis tornar-me indizivelmente normal — e eis-me aqui, no embrutecimento, no mesmo plano que os idiotas e tão vazio como eles.
- autor: Emil M. Cioran
- tradução: José Thomaz Brum
- fonte: Breviário de Decomposição
- Em: Ateus.net
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