Emil Cioran
Tudo o que construímos para além da existência bruta, todas as forças múltiplas que dão uma fisionomia ao mundo, devemos à Desgraça – arquiteto da diversidade, fator inteligível de nossas ações. O que sua esfera não engloba, nos ultrapassa; que sentido poderia ter para nós um acontecimento que não nos esmagasse? O Futuro nos espera para imolar-nos; o espírito só registra a fratura da existência e os sentidos só vibram ainda na expectativa do mal… Assim, como não debruçar-se sobre o destino de Lucila de Chateaubriand ou da Günderode, e não repetir com a primeira: “adormeci com um sono de morte sobre meu destino”, ou não embriagar-se com o desespero que cravou o punhal no coração da outra? Com exceção de certos exemplos de melancolia exaustiva e de certos suicídios não vulgares, os homens são apenas fantoches atulhados de glóbulos vermelhos para engendrar a história e suas caretas.
Quando, idólatras da desgraça, fazemos dela o agente e a substância do devir, nos banhamos na limpidez da sorte prescrita, em uma aurora de desastres, em uma geena fecunda… Mas quando, julgando havê-la esgotado, tememos sobreviver a ela, a existência se obscurece e não devém mais. E temos medo de nos readaptar à Esperança…, de trair nossa desgraça, de trairnos…
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