5 de set. de 2011

O autor russo que popularizou o "niilismo"

Marcos Macedo
Colab. do blog Crítica literária


Ivan Turgueniev (1818 – 1883), contemporâneo de Tolstoi e Dostoievski, formou com eles o time de grandes romancistas russos do século XIX, cada um com temas e estilos particulares. Turgueniev precedeu ambos em fama na Europa; hoje, ele é certamente o menos conhecido e lido dos três. De certa forma, pode ser classificado como um autor realista, pois procurava descrever o que via, sem tentar explicar ou julgar. Limitava-se a expor precisamente sua história. Seus personagens e temas eram na maioria das vezes amparados em modelos reais, às vezes em seus próprios familiares.

 

Sua obra mais famosa, Pais e Filhos, popularizou o termo niilismo. Ele próprio não acreditava em absolutos ou sistemas. Acreditava, porém, na liberdade e na grandeza humana. Talvez não fosse apropriado classificá-lo como niilista, mas sim como humanista. Seus heróis não querem reformar o mundo e desconfiam dos que o querem; eles se destacam pela bondade, pela ternura, pela coragem.

 

Seu estilo também difere bastante dos outros russos: sua marca é a precisão. Ele via claro e tinha o dom da palavra certa. Suas metáforas são poderosas. Não recorre a grandes painéis narrativos e mesmo assim a ele nada escapa. Suas frases precisas são como foto que vale por mil palavras. Como uma fotografia que não precisa de legenda, ele definia uma situação ou um personagem com o mínimo de traços. Seu texto preciso e definitivo se basta.

 

A obra que disseminou o "niilismo humanista"
Em alguns de seus livros, seus personagens provam o próprio veneno do niilismo e sucumbem, desabando nas últimas páginas: fogem, desertam, ou morrem melancolicamente. É um aviso de que não é fácil desfazer-se das muletas ideológicas e das certezas, para procurar viver uma vida autêntica e realmente livre. É o caso de Ássia, em que o narrador lembra sua paixão de juventude pela personagem do título, paixão nunca declarada. Sua inércia e falta de ação o levam a uma vida enfadonha de velho solteirão sem família. Esse tipo de personagem, característico da obra de Turgueniev, é uma crítica à degeneração e letargia que ele via na nobreza russa da época.

 

Turgueniev pode ser mal interpretado se lermos apenas uma de suas obras. Em seu tempo, alguns personagens, “homens inúteis”, como o narrador de Ássia, foram criticados por não terem densidade. Por isso, após Ássia e Pais e Filhos não se pode deixar de ler O Primeiro Amor ou O Relógio. Neste último, o jovem David é o herói determinado aos olhos do primo mais novo, Alexei, criança, que através dele enxerga o que seu mundo tem de torto, admirando a rebeldia e a coragem física de seu primo, procurando a aprovação dele, que não se submete às tramóias de seu tio e tutor.

 

Hoje, finalmente, abandonamos as ideologias e os sistemas que Turgueniev não aceitava. Mas não escapamos das muletas de nosso tempo: os excessos da pós-modernidade, esse nosso entretenimento veloz e embaçador dos sentidos, esse nosso desapego, que são também uma forma de niilismo. Trocamos a inércia e a inapetência pela velocidade e pelo descartável.

 

A precisão de Turgueniev seria um bom antídoto contra essa velocidade vazia e entorpecente, para nós que estamos fartos de ver e discutir assuntos que já amanhã terão a importância de um big brother eliminado no paredão.

 

Serviço
Pais e Filhos.
Editora Cosac & Naify. 2004. 360 pág. R$ 59,00.
Primeiro Amor.
Editora L&PM. 2008. 104 pág. R$ 8,00.
Ássia.
Editora Cosac & Naify. 2002. 120 pág. R$ 36,00.
O Relógio.
Editora Scipione. 1990. 94 pág. R$ 23,90.

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